BRICS e a Nova Moeda: Um Passo Estratégico para Redefinir o Sistema Financeiro Global

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A recente cúpula do BRICS, realizada em Kazan, Rússia, trouxe à tona uma série de propostas ambiciosas para reformar a arquitetura financeira global, com uma atenção especial voltada para a redução da dependência do dólar. Porém, ao contrário do que muitos esperavam, o documento final da “Declaração de Kazan” não sugere a criação imediata de uma moeda digital comum entre os países membros. Apesar disso, a proposta da criação de um sistema de pagamentos alternativo, o “BRICS Clear,” revela uma visão de longo prazo para impulsionar a independência financeira do bloco.

 

BRICS Clear: Um Sistema de Pagamentos com Foco em Moedas Locais

O principal destaque da cúpula foi a proposta de um sistema de pagamentos comum entre Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. O BRICS Clear visa facilitar transações entre os países membros utilizando moedas locais em vez do dólar. Isso pode não só reduzir os custos das transações, mas também diminuir a exposição dos países do bloco à volatilidade da moeda norte-americana.

Esse sistema é uma resposta prática à exclusão de nações como a Rússia do sistema SWIFT, uma rede internacional que conecta bancos em todo o mundo para facilitar transações. Controlado por potências ocidentais, o SWIFT se tornou um instrumento de pressão política. Com o BRICS Clear, o bloco tenta garantir uma rede de pagamentos autossuficiente e menos sujeita a interferências externas.

A analista Noelle Acheson destaca que a criação do BRICS Clear tem um potencial significativo para impactar o mercado global. “Esse novo sistema é um passo na direção de reduzir a influência do sistema financeiro baseado no dólar, além de atuar como uma alternativa ao SWIFT em situações de sanções unilaterais,” afirmou Acheson.

 

Potencial Transformador e a Visão do BRICS sobre o Multilateralismo

A proposta de uma moeda comum para o BRICS não está descartada completamente. Segundo o presidente russo, Vladimir Putin, essa iniciativa pode ganhar força no futuro, especialmente se o sistema de pagamentos com moedas locais tiver êxito. Em uma fase inicial, o BRICS Clear poderia ser um projeto-piloto para testar o terreno antes de uma eventual moeda comum.

Além do aspecto econômico, o BRICS busca fortalecer o multilateralismo e estabelecer uma nova ordem mundial mais equitativa, onde os países emergentes tenham voz e representatividade. Na seção econômica do documento, o bloco pede uma reforma do sistema financeiro internacional, visando mitigar os riscos associados a instabilidades econômicas e tensões geopolíticas. Entre as prioridades, estão a redução da pobreza, o combate à fome e o desenvolvimento sustentável, abordando temas como energia, água e segurança alimentar.

O Novo Banco de Desenvolvimento (NDB), presidido pela ex-presidente do Brasil, Dilma Rousseff, foi citado como uma ferramenta fundamental para impulsionar esses objetivos. O banco tem como foco financiar projetos de infraestrutura, inovação tecnológica e sustentabilidade. Criando uma rede de apoio para que os países membros possam expandir suas fontes de investimento sem depender exclusivamente de instituições financeiras ocidentais.

 

Os Reflexos no Mercado de Criptomoedas

Embora o BRICS não tenha adotado uma posição oficial sobre criptomoedas, a criação de um sistema de pagamentos independente do dólar pode ter consequências indiretas para o mercado cripto. A ausência de menções a criptomoedas ou blockchain no documento oficial sugere que, por enquanto, o BRICS enxerga a reforma do sistema financeiro mundial como um projeto que prioriza a infraestrutura tradicional. Entretanto, analistas acreditam que essas medidas poderão afetar o mercado de criptomoedas, especialmente o Bitcoin, a longo prazo.

Com a redução da demanda global por dólares, a narrativa do Bitcoin como proteção contra a desvalorização do dólar pode ganhar mais tração. Acheson aponta que a queda na dominância do dólar no comércio internacional, somada a um aumento na oferta, pode pressionar a moeda norte-americana para baixo. Isso poderia tornar o Bitcoin uma opção mais atraente para investidores que buscam ativos não-correlacionados com o sistema financeiro tradicional.

Além disso, o sistema BRICS Clear poderia pavimentar o caminho para a adoção de moedas digitais em um ambiente mais controlado. Embora o uso de stablecoins e moedas digitais do banco central (CBDCs) não esteja no radar imediato do bloco, a criação de uma infraestrutura de pagamentos independente pode abrir espaço para tecnologias de blockchain e soluções cripto no futuro.

 

Perspectivas e Desafios do BRICS na Transformação do Sistema Financeiro Global

O BRICS enfrenta grandes desafios na implementação de suas iniciativas. Reformar o sistema financeiro global e reduzir a dependência do dólar são objetivos que exigem tempo e coordenação entre os países membros. A China, por exemplo, já demonstrou interesse em promover sua moeda, o yuan, como alternativa ao dólar. Mas o sucesso depende de uma série de fatores geopolíticos e econômicos que vão além da criação de uma nova infraestrutura de pagamentos.

Além disso, as tensões internas dentro do bloco também podem ser um empecilho para o avanço de algumas propostas. A Índia, por exemplo, possui relações complexas com a China, o que pode influenciar a cooperação em áreas mais sensíveis. No entanto, a recente expansão do BRICS, com a inclusão de países como o Irã, os Emirados Árabes Unidos e a Etiópia, indica que há uma disposição crescente para formar uma aliança estratégica mais robusta.

Em um cenário de polarização global, o BRICS surge como uma alternativa para países que buscam maior autonomia em suas transações financeiras. A expansão do bloco e a criação de sistemas de pagamentos independentes são passos concretos que podem impactar o papel do dólar no sistema financeiro mundial, abrindo espaço para novos modelos de governança econômica.

O BRICS está dando passos decisivos para reconfigurar o cenário financeiro global, promovendo maior autonomia para as economias emergentes. A criação do BRICS Clear é apenas o começo de um movimento que pode, em longo prazo, redefinir o papel das moedas tradicionais. E até mesmo abrir espaço para novas tecnologias financeiras no futuro.